Todos os dias acordamos de manhã, toca o despertador, paramo-lo “é só mais um bocadinho”, pensamos. A seguir levantamo-nos, fazemos a nossa higiene, comemos e já um pouco atrasados, começamo-nos a despachar o mais depressa possível. Neste meio tempo, levantamos os filhos, vestimo-los à pressa, damos-lhe o pequeno-almoço e dizemos ”vá toca a despachar que já estou atrasado para o trabalho”.
Saímos de casa a correr, enfiamos os miúdos no carro e este não pega: “oh não, esqueci-me de pôr gasolina e agora?”. Lá nos lembramos que temos um garrafão com um resto dela na garagem e saímos de casa já todos stressados, com as mãos a cheirar a gasolina, uma nódoa aqui, outra ali, de pingos que nos caíram na roupa.
Chegamos ao trabalho, já cansados para um dia inteiro, o nosso chefe chama-nos ao gabinete com ar de poucos amigos, “sabe… isto por aqui está mal… temos de reduzir custos…” e entrega-nos uma carta fechada, “é melhor passar nos recursos humanos”.
Cai o nosso mundo. Abrimos a carta, a rezar para que não seja o que estamos a pensar, mas sim, não restam dúvidas, “agradecemos o serviço prestado na nossa empresa, de momento deixamos de contar com os seus honrosos serviços”. “Meu Deus!!”. Lemos a carta vinte vezes e tentamos acreditar no que lá vem escrito, “como é que vou dizer isto em casa…. ainda por cima estou a recibos verdes, não vou ter direito a nada…. e os miúdos como vai ser…e a renda de casa e o empréstimo do carro ”.
Saímos do gabinete ainda meio adormecidos, não vemos bem o chão, só queremos sair dali e tentar arranjar uma solução. Pensamos, “ainda sou novo, vai correr tudo bem, logo se há-de arranjar qualquer coisa”.
Passaram cinco meses, as poucas economias que tinha deixaram de existir, já tenho vergonha de pedir ajuda aos meus pais, afinal vamos lá jantar quase todos os dias. Os miúdos adoram os avós, mas perguntam de vez em quando “vamos ao cinema?” e que nunca mais fomos à praia. O salário da minha companheira não dá para pagar todas as despesas e pior, estamos a acumular dividas. Já não sei bem o que fazer, só me resta pedir ajuda, mas onde? Recorro a alguns serviços meio envergonhado e a medo, não conto todos os pormenores da minha história, “afinal uma pessoa ainda tem alguma dignidade, não!”.
A dada altura falo com uma técnica que me diz: ”Pois, a sua situação está complicada, poderá não ter direito a muito pois como a sua companheira trabalha… mas o melhor é talvez pedir o Rendimento Social de Inserção”. Penso, “pedir o quê? Mas isso não é o Rendimento Mínimo? Eu não estou assim tão mal, nunca pensei ter de pedir isso!”
Entro em casa e chego à conclusão que não há outra hipótese, as contas acumulam-se, temos muitas despesas e embora procure trabalho todos os dias, não consigo encontrar nada para fazer. A tal técnica ainda me disse qualquer coisa de ter de ir para um curso profissional, “um curso, tenho o12ª ano e trabalhei quase vinte anos naquela maldita empresa e ainda tenho de ir para um curso, fazer sei lá o quê”.
Não aguento mais esta situação, acho que estou a dar em doido de tanto tempo que estou em casa, na TV só passam programas para reformados, com mezinhas caseiras a ensinar uma mão cheia de coisas que não me interessam. Ando com pouca paciência para os miúdos e de vez em quando também há discussões lá em casa devido à falta de dinheiro e de outras coisas “sim porque se não fosse a horta dos meus pais, não sei bem como faríamos para comprar a comida”.
“Tem de ser.” Entro na Segurança Social com as pernas a tremer, dirijo-me ao balcão, ”bom dia, eu queria os impressos para o RSI” a funcionária olha para mim com uma cara estranha e depois encaminha-me para falar com uma técnica. Dizem-me que somos um caso “nova pobreza”, que o RSI tem muitas regras e que não é só receber, temos de procurar ativamente trabalho, temos de aceitar qualquer proposta de formação ou trabalho do IEFP, não podemos faltar a qualquer tipo de convocatória e por fim ainda refere que vão ser feitas visitas domiciliárias. “Visitas domiciliárias, como assim, vão lá a casa?” a técnica refere que como existem crianças tem que elaborar relatórios e observar as condições de habitabilidade.
“Que vergonha, os meus vizinhos vão acabar por reparar. Vou ter de me sujeitar a esta situação, éramos uma família normal” No final das contas vou ter direito a uns míseros 21€, “sim porque a forma como as contas são feitas, não dá para mais”.
“É o país que temos”….
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